Uma catequese sobre a homossexualidade

Pelos Bispos Jack Spong (ECUSA) e Peter J. Lee (África do Sul)

Catequese – “Um diálogo entre os crentes” (Dicionário de Teologia Westminster)

Escrita por sugestão do Arcebispo de Cantuária, Sua Graça Reverendíssima George Carey

O presente trabalho foi escrito em 1996, pelos Bispos Peter Lee e Jack Spong, a pedido do então Arcebispo de Cantuária, George Carey. A proposta de ambos no texto, é de que Lambeth não aprovasse nenhuma revolução a favor ou contra os tópicos referentes à homossexualidade. De acordo com a argumentação do texto, qualquer resolução aprovada teria um efeito desastroso na Comunhão Anglicana. Os bispos reunidos em Lambeth 98 não atenderam à solicitação do texto, e votaram a conhecida resolução sobre o assunto que, desde então tem sido o ponto de maior polêmica na Comunhão Anglicana.

Há cem anos não havia debate sobre a homossexualidade na vida da Igreja Cristã. Hoje essa discussão enraivece em toda a parte da cristandade, às vezes, abertamente, às vezes, ocultamente. Em algumas partes de nossa Comunhão esse debate ameaça separar os cristãos em campos de batalha. Em nossa Comunhão já ouvimos ameaça de excomunhão, de um lado, e, de outro, convite para deixar. Temos observado evidência de que esse debate pode deflagrar palavras danosas e insolentes e até condutas fisicamente violentas.

Debaixo dessa discussão colocada em termos bíblicos, morais e teológicos, acreditamos que há uma divergência na definição da homossexualidade. Se esta for considerada atividade maléfica optada pela gente moralmente depravada ou mentalmente doentia e condenada por Deus, pela Escritura e tradição como sendo pecaminosa, então, a Igreja dificilmente poderá acomodar-se com esse estilo de vida. Acomodação seria, nesse caso, a violação de tudo que essa posição mantém como sendo sagrado. Dada a essa definição, os adeptos dessa posição consideraria qualquer tentativa de acomodação de gays e lésbicas por parte de quem quer que seja na Igreja como sendo a violação da vontade de Deus, como abandono dos princípios cristãos. Aqueles que adotam essa perspectiva assumem, então, que os que se lhe opõem não podem ser fiéis a Cristo, à Bíblia e aos valores cristãos. Portanto, parece natural que eles considerem que seus oponentes “abandonaram a essência da fé cristã para a abraçar a agenda gay”.

No outro lado deste debate estão os cristãos que se convenceram de que, pelas percepções da ciência moderna, a orientação homossexual é aspecto natural e normal, embora minoritária, da experiência sexual humana. Não se trata de alguma coisa que se opta ou condicionada, mas alguma coisa que é. A homossexualidade é, para quem mantém esta posição, como ser canhoto, que é estatisticamente um desvio da norma de vida humana que foi, outrora, causa de discriminação e perseguição. Estes membros de nossa Igreja sustentam que a sexualidade é moralmente neutra e que tanto heterossexualidade quanto homossexualidade podem ser vividas ou de modo destrutivo ou de modo que afiem a vida. A posição da Igreja, argumentam eles, deve ser a de se opor a todos os usos destrutivos do dom da sexualidade humana e de apoiar aquelas expressões que redundem em vida e plenitude das pessoas envolvidas. Isso seria sua em relação com os heterossexuais e homossexuais.

Os que advogam este ponto de vista acreditam que o conhecimento disponível às pessoas hoje que surge dos estudos do cérebro e como este funciona tem efetivamente desafiado as definições anteriores. Por exemplo, observa-se que a ciência hoje pode documentar a presença de homossexualidade entre animais que se supõem não ter a liberdade de pensar e capacidade de escolha. Simplesmente, despertam para a homossexualidade. Portanto, argumentam eles, as pessoas despertam para a homossexualidade. Para o argumento de que a homossexualidade viola a Escritura esses membros de nossa Comunhão apresentam um contra-argumento lembrando a Igreja de outras atitudes antigas encontradas nas Escrituras que abandonamos por causa das novas descobertas e atitudes culturais em mudança. A sugestão de que a terra é o centro do universo, em torno do qual o sol gravita é uma delas. Do mesmo modo, a legitimidade da escravidão como uma instituição social, a posição de segunda classe da mulher e idéia de que a epilepsia é causada pela possessão demoníaca. Todavia, cada uma dessas questões foi apoiada pelas citações bíblicas e considerada vontade de Deus.

Assim temos essa grande linha divisória. A nossa Igreja tem estimado os bispos fiéis que se colocam em ambos os lados do debate. Nenhum lado, operacionando com suas definições, pode com integridade comprometer suas posições. Ambas as partes sustentam suas posições como não só verdadeiras, mas também único meio de ser fiéis a Deus, a quem se sentem chamados a servir. Os sentimentos esquentam bastante. As soluções não são fáceis. Há ainda outros membros desta Comunhão que se colocam com incerteza entre essas duas definições. Sentem-se incertos e receosos com o presente debate. Não têm chegado às conclusões firmes e consideram-se desconfortáveis diante dos que têm suas conclusões. Os membros desse grupo estão lutando conscienciosamente para discernir a mente de Deus nessas matérias e não estão neste momento preparados para tomar decisões. Ao tentar evitar a divisão, mas não em detrimento da verdade ou da busca da verdade – o que não se quer é a supressão da verdade e limitação da busca da mesma – nós, representantes dos componentes vastamente diferentes, oferecemos à Conferência de Lambeth a seguinte proposta. Não sugerimos concessões (solução conciliatória), porque não acreditamos que a concessão seja possível ou que seja um caminho adequado para alcançar as conclusões morais. Antes oferecemos o caminho pelo qual os membros desta Igreja possam andar juntos para o futuro, sem exigir daqueles que sustentam as convicções diametralmente opostas a sensação de que estão sendo solicitados ou levados a sacrificar suas convicções ou sua compreensão do Evangelho. Esta proposta envolve dois passos:

Primeiro, nós como bispos de Lambeth, devemos fazer o esforço consciencioso para descobrir em nosso presente conflito aquelas áreas em que ambas as partes possam encontrar acordo substancial. Segundo, naquelas áreas onde o acordo não é possível, o nosso compromisso para a com a verdade exige de nós – assim acreditamos – a exposição de dois pontos de vista competitivos lado a lado tanto quanto possível, sem juízo de valor, permitindo que se coloquem com sua integridade, em relevo claro. A descrição exata das questões de nossa divisão pode provar ser um serviço mais valioso que a Conferência de Lambeth possa oferecer à Igreja neste tempo.

Ao procurar atingir este segundo alvo, sugerimos que a Lambeth 1998 não deve colocar em votação a matéria cujo resultado implicaria em que um lado do debate sai vencendo e outro, derrotado. Em nossa opinião, a Igreja está bem dividida e a divisão é bem profunda que a vitória de um lado é apertada e os que se sentem derrotados não vão aceitar a derrota passivamente. Nenhum desses resultados faria justiça para os indecisos no sentido ter tempo suficiente e espaço para chegar a uma visão mais clara. Isso redundaria em que o Corpo de Cristo ficasse ferido e o nosso ministério de testemunho enfraquecido.

Por outro lado, a Conferência de Lambeth não pode ignorar que esta questão em debate ou divisão resultante na Igreja e na sociedade seja assim mesmo relevante ao mundo em que vivemos. Assim, a nossa proposta consiste em que passemos resoluções onde houver consenso forte e onde não houver entreguemos as áreas de divergência a um painel a ser organizado pelo Arcebispo de Cantuária, composto de líderes articulados de ambas as partes e espectro entre os membros. Esse painel deve incluir pessoas que a comunidade de gays e lésbicas e a comunidade evangélica possam reconhecer como seus porta-vozes autênticos. Então, esse painel poderia continuar com seu trabalho nessas questões num ambiente mais adequado para a busca das soluções a longo prazo. Reconhecemos que nem a Conferência de Lambeth, nem tal painel internacional que a Conferência possa criar têm autoridade sobre as Províncias de nossa Comunhão. Por´m acreditamos que tal painel pode ajudar as Províncias os organismos interinos na sua tentativa de tratar apropriadamente essa questão. É nossa esperança que esse painel terá sucesso em criar um lugar propício onde as vozes divergentes de nossa Comunhão possam ser ouvidas bem como um lugar onde a Igreja possa ouvir as fontes profissionais de peritos que possam iluminar o nosso debate. Também, esse painel pode combinar aquele dom do mais tempo para examinar essas questões em profundidade com muitas orações, ao mesmo tempo em que se procura a orientação do Espírito Santo. É, também, a nossa recomendação que esse painel seja solicitado a relatar oficialmente à próxima Conferência de Lambeth, compartilhando não só suas conclusões, se algumas forem alcançadas, mas também o processo de seu pensamento de modo que os bispos de nossa Comunhão possam ser informados e nossas consciências chamadas a qualquer ação que pareça apropriada.

Em nossas conversações identificamos seis questões principais que articulam o nosso debate. Acreditamos que é possível alcançar um consenso nas três questões. Acreditamos que tudo que podemos fazer com outras três é descrever as diferenças entre nós de modo razoável. Assim colocamos diante da Conferência de Lambeth, primeiro, as áreas onde pensamos que o nosso acordo é possível e expressamos a esperança de que os bispos de Lambeth falem com a voz da unidade nessas questões. Então, temos a intenção de descrever as áreas de nossa divergência, procurando somente descobrir a clareza naquelas coisas que nos dividem profundamente e expor aquelas questões com integridade que cada lado exige. Então, solicitaremos à Conferência de Lambeth entregar essas questões ao painel designado para maior estudo.

I. Áreas em que pensamos poder ter possível acordo

A. Acreditamos, primeiramente que as pessoas homossexuais são filhos e filhas de Deus que, com toda a família humana, participam do amor de Deus e que devem, portanto, ser tratados com imparcialidade, justiça e igualdade diante da lei. Repugnamos a hostilidade com que os gays e lésbicas têm sido têm sido tratados pelos cristãos e não cristãos no decorrer de nossa história. Homossexuais têm sido mortos, espancados, despedidos de seu trabalho, expulso de suas famílias simplesmente por serem o que são.

Também, deploramos aqueles tempos quando a retórica dos cristãos sugeria que a conduta destrutiva e degenerada que todos nós condenaríamos seria a conduta padrão de todos os homossexuais. Reconhecemos que ofensa para com as crianças é um mal do qual os heterossexuais e homossexuais têm sido culpados. A ofensa à criança é um mal do qual os heterossexuais e homossexuais têm sido culpados. A ofensa à criança não e a inclinação de todos, nem da maioria dos homossexuais e nem mais do que os heterossexuais. Todas as vezes que a nossa retórica sugere o contrário somos culpados de espalhar a ignorância e preconceito. Chamamos a Igreja ao arrependimento onde essas representações errôneas tenham ocorrido e à sensibilidade e exatidão em todas as futuras conversações. Acreditamos que o povo cristão em ambas as partes de nosso presente debate pode encontrar acordo significativo em torno destes primeiros princípios.

B. Segundo, permanecemos juntos em sustentar a sacralidade do casamento e a importância da unidade familiar em cada sociedade. Reconhecemos que a sexualidade é um aspecto de nossa humanidade que pode propiciar tanto a vida quanto a morte aos indivíduos. Tradicionalmente, a posição da Igreja tem sido de que a sexualidade é apropriada somente numa relação compromisso total público entre um homem e uma mulher. O Ofício do Santo Matrimônio foi designado para ser o momento em que o compromisso público foi reconhecido pelo Estado e abençoado pela Igreja. Não há desejo por parte de ninguém que conhecemos de enfraquecer ou minar o nosso respeito pelo Santo Matrimônio. Mesmos aqueles que argumentam que os benefícios do casamento devam ser abertos para os casais do mesmo sexo não questionam a beleza, a santidade e poder encontrados nesta unidade básica da sociedade humana. Embora ainda incapazes de chegar a um acordo sobre qualquer expansão desta instituição do Santo Matrimônio para incluir os que ainda não estão incluídos, estamos de acordo que há uma necessidade de chamar a Igreja em toda parte para apoiar, defender, embasar e fortalecer os laços que mantêm o casamento. Deploramos a taxa elevada de divórcio em nossas várias sociedades. Observamos as desigualdades, às quais estão submetidas as mulheres em redor do mundo, em educação, em oportunidades profissionais e outras que pertencem ao bem estar social e cultural. Estamos conscientes de que a Conferência tem dado sua bênção para aceitar na Igreja unidades de famílias polígamas sob certas condições em partes de nossa Comunhão. Mas encontramos concordância na crença de que a relação ideal para homens e mulheres heterossexuais encontra-se ainda no Santo Matrimônio monôgamo e vitalício. Além disso, acreditamos que a busca da plenitude humana para os heterossexuais pode bem ser servida pelo compromisso renovado por parte desta Igreja com o padrão de vida casada monôgamo, fiel, amoroso e vitalício entre um homem e uma mulher e que os casamentos saudáveis constituem fator importante na criação de filhos saudáveis. A despeito desse ideal, também reconhecemos que, onde as exigências da vida assim o requerem, pais e mães solteiros, padrastos, madrastas e irmãos e irmãs e pais e mães substitutos têm exercido as tarefas dadas por Deus para a criação de filhos com beleza e santidade e descobrimos que é causa para a ação de graças.

C. Terceiro, nós acreditamos que uma vasta maioria dos bispos desta Comunhão está disposta a declarar que qualquer atividade sexual que seja predatória e indesejada, qualquer padrão de conduta sexual que procura impor sobre uma pessoa fraca a vontade da pessoa forte são errôneos e devem ser condenados por esta Comunhão. Compartilhamos essa convicção seja em relação à conduta de heterossexuais ou de homossexuais.

Além disso, acreditamos que há um consenso de que, nesta Comunhão já existente a ser declarado, a conduta sexual promíscua praticada por qualquer um é desumanizante para os ambos parceiros, portanto, errôneo. Afirmamos que o sexo é um dom de Deus intencionado para ser partilhado numa relação de compromisso último. Quando esse nível de compromisso na relação estiver ausente o sexo é banalizado, é negada a santidade humana e a pessoa torna-se objeto a ser usado, ao invés de ser amada. Acreditamos que a ordem da Criação estabelecida por Deus é que devemos amar as pessoas de modo apropriado e usar coisas apropriadamente. Quando essa ordem é violada e coisas amadas e pessoas usada inapropriadamente, acreditamos que o propósito da Criação é violado. É nossa esperança que a Conferência de Lambeth possa afirmar esse princípio, condenando qualquer conduta que seja predatória e promíscua.

II. Áreas em que o acordo no momento não é possível

A. BÊNÇÃO DOS CASAIS DO MESMO SEXO – É o celibato única opção para os gays e lésbicas se desejarem ser cristãos? Aqui as vozes dos bispos são claramente sim e não. Podemos identificar alguns padrões de conduta sexual para gays e lésbicas que pudessem ser considerados santos? Mais uma vez, as vozes são contraditórias em suas respostas. Nesta questão não há uma concordância á vista. Portanto, procuramos só descrever os pontos de vista conflitantes.

Há claramente membros dedicados de nossa Igreja, inclusive os que têm sido escolhidos para ser nossos bispos, que consideram a homossexualidade, quando expressa em conduta humana, não só pecaminosa e errônea, mas também não-natural. Eles apontam para a interdependência dos órgãos sexuais masculinos e femininos, para o pa-pel necessário de ambos os sexos para a reprodução e concluem que uma orientação sexual direcionada para o seu próprio gênero viola a ordem criada. E sugerem que, visto que a homossexualidade, na visão deles, distorção, deve ser receptiva à cura e recomendam tais curas devem ser buscadas. Se for determinado, em alguma incidência específica, que não há condição para a cura, então, eles acreditam e argumentam que a sexualidade deve ser reprimida e considerada como uma cruz que deve ser carregada como uma das fraquezas e deformidade humanas consideradas “trágicas”. Qualquer “estilo de vida”, eles argumentam, que envolva alguma expressão de sexualidade pelos homossexuais deve ser, portanto, evitada pelos cristãos. Os cristãos que sustentam este ponto de vista são cuidadosos em afirmar que não condenam as pessoas, mas somente a conduta. O nosso propósito neste momento não é o debate sobre essas conclusões, mas simplesmente expor essa visão aberta e honestamente e com integridade. É necessário que todos os membros desta Comunhão saibam que essas conclusões representam as convicções de uma parte significativa e até numericamente majoritária do povo de nossa Comunhão.

Este ponto de vista encontra a oposição por parte de outros membros desta Igreja que argumentam que essas conclusões levaram, no passado, à perseguição dos canhotos e à justificação da escravatura por parte dos cristãos. Eles consideram-nas errôneas e profundamente preconceituosas. Esses argumentos, eles sustentam, criaram aquelas atitudes e convicções que, no passado, levaram o mundo negar às mulheres o direito de voto e à busca de formação universitária e carreira profissional. Estes cristãos sugerem que que essa atitude não está baseada num conhecimento adequado. Em apoio dessa convicção, eles apontam para a consistência da presença dos homossexuais, na população humana no mundo, em toda a história registrada. Eles consideram essa consistência de números como um fato, embora reconheçam que a homossexualidade tenha sido reprimida em algumas sociedades, fazendo com que números pareçam menores do que a realidade, e, em algumas sociedades, aceita e celebrada, fazendo com que os números maiores do que o fato. Eles consideram os estudos que demonstram ser conclusiva que a homossexualidade é um dado da vida e não uma opção. A maioria dos que sustentam esta perspectiva considera como competentes aqueles estudos que demonstrem conclusivamente que a homossexualidade não está sujeita à mudança e eles consideram culpados de conduta fraudulenta e violência pastoral os que procuram forçar os homossexuais à conduta heterossexual. Eles reconhecem e honram o celibato como opção para todos, mas consideram que o mesmo como uma vocação e não como um modo de vida, a que os de orientação homossexual sejam obrigados quando não são vocacionados. E argumentam ainda que a energia sexual não deve ser reprimida entre os heterossexuais bem como entre os homossexuais, a não ser que as pessoas assim desejar livremente. Portanto, eles argumentam que é imperativo que a sociedade venha reconhecer essas relações e a Igreja abençoar as mesmas formadas entre gays e lésbicas como casais cristãos do mesmo sexo, que desejam viver em relação de fidelidade e compromisso e que anelam por ter Deus como seu parceiro de uma vida conjunta. Aqueles que sustentam esta visão acreditam que o fracasso da sociedade em reconhecer as uniões do mesmo sexo e da Igreja abençoá-las só serve para desestabilizar o compromisso e para encorajar conduta promíscua, que todos concordam que não é ideal de modo algum. Eles propõem que a Igreja elabore liturgias para a bênção das uniões do mesmo sexo e forme seu clero para ajudar os gays e lésbicas no seu preparo para a vida de compromisso conjunto e do sustento desse compromisso assim como se faz no conselho pré-matrimonial dos heterossexuais. Eles consideram danosa, hostil e contraproducente para a estabilidade social a tentativa de negar essa opção de compromisso público aos homossexuais.

Considerando que essas duas posições são tão distintas, acreditamos que o debate sobre essa matéria não será produtivo, mas criaria mais calor do que a luz. Considerando que os pressupostos subjacentes em cada posição não serão aceitáveis a outra parte, recomendamos que a Conferência de Lambeth deixe de resolver essa questão de maneira claramente prematura e destrutiva, mas ao invés disso, refira a matéria, sem juízo de valor, ao painel proposto, a ser formado a partir desta casa, para o estudo durante a próxima década.

B. ORDENAÇÃO AO PRESBITERADO DOS GAYS E LÉSBICAS QUE VIVEM AS RELAÇÕES FIÉIS E MONOGÂMICAS – Devem ser ordenados os homossexuais não celibatários? Por não celibatário ninguém quer dizer “promíscuos”. Antes queremos dizer alguém que vive a relação de fidelidade e monogamia, dedicado um ao outro, presumivelmente, vitaliciamente, pode servir à Igreja como pessoa ordenada?

Para quem acredita que a homossexualidade é desvio da norma heterossexual, a resposta é claramente não. Ninguém ordena um estilo de vida que é um desvio e não é normal. Seria uma afronta à Igreja, se assim procedesse, afirmam eles. Isso implicaria em estender o status e o papel de modelo presentes no presbiterado a um modo de vida, o qual tem sido historicamente condenado pela Igreja como sendo errôneo. Isso equivaleria considerar santo o que se considera inerente mau. Aqueles que assim pensam afirmam, também, que considerando ser o presbítero ser representante de Deus no altar, a ordenação sugeriria ao povo da Igreja que a homossexualidade pode efetivamente ser vista como parte do que Deus é. Tal ideia seria impossível para esses cristãos. Hoje eles não são capazes nem desejam falar na ordenação dos gays e lésbicas e não acreditam que essa convicção profundamente sustentada por eles jamais mudará. Considerar que a Conferência de Lambeth fale apenas na possibilidade seria para eles uma afronta a tudo que eles consideram santo.

Outros cristãos, partindo de uma outra definição, fazem a sua réplica de que a Igreja já tem homossexuais nas suas três ordens. Eles fazem a citação de historiadores que reconhecem que os homossexuais têm feito parte do sacerdócio desde a aurora do Cristianismo. Portanto, eles afirmam que a questão não está em se a Igreja deve ordenar os homossexuais, mas se a Igreja deve ser, simplesmente, honesta acerca das coisas que ela sempre fez.

Eles acreditam que a homossexualidade é parte natural da vida humana. Portanto, a parceria gay ou lésbica que seja fiel, monogâmica e intencionalmente vitalícia pode, efetivamente, satisfazer uma das exigências da ordenação de ser “exemplo salutar para o rebanho de Cristo”. Além disso, eles afirmam que a Comunhão Anglicana expressa-se em amplamente variadas diferenças culturais. Eles apontam para o fato de que, em algumas partes do mundo cristão, a homossexualidade é não só aceita, mas também abertamente considerada parte da criação de Deus. Nessas partes do mundo, há comunidades de fé que estão preparadas para aceitar como seus sacerdotes e diretores espirituais os cristãos gays e lésbicas, que têm sido chamados por Deus e reconhecidos pelo processo decisório da Igreja. Eles ressaltam que, em alguns contextos urbanos no mundo ocidental, a falha em prover acesso aberto a todas as pessoas qualificadas para todos os aspectos da vida da Igreja resulta num retrocesso do Ministério de Cristo. Além disso, eles mencionam a experiência de certos bispos urbanos proclamam que o ministério de presbíteros abertamente homossexuais, que, em algumas instâncias, vivem em relações monogâmicas, foram marcados com integridade e efetividade e que têm servido para enriquecer a Igreja.

Mais uma vez, nós reconhecemos que estas duas visões são mutuamente exclusivas. Um lado pensa que outro lado está “abençoando o que Deus condena e está denominando o mal de bem”. Outro lado acusa que o preconceito e a ignorância têm cegado alguns cristãos de modo que não podem reconhecer a rejeição e ofensa mal informada de sua própria retórica e conduta. Esta questão não se presta para concessão e a divisão é tão profunda que, claramente, exige mais tempo e mais estudos. Por essas razões recomendamos que essa questão e dois pontos de vista em conflito podem ser discutidos, se essa for a mente da Conferência, mas, então, sejam referidos, sem voto, ao painel continuador que esperamos seja designado pelo Arcebispo de Cantuária.

C. AUTORIDADE DA BÍBLIA – Implícita nestas divergências esta uma terceira questão, sobre a qual não podemos encontrar um consenso. Isso tem a ver com as visões sobre o uso e autoridade da Sagrada Escritura. A Bíblia poderá, certamente, ser lida para a condenação da prática homossexual. Ambas as partes admitem isso. Para alguns membros desta Comunhão isso é tudo que se exige de seu juízo e opinião. Eles acreditam que a verdade final d Deus encontra-se na Sagrada Escritura que eles acreditam ser a auto-revelação de Deus. Outros cristãos argumentam que a Bíblia chama-nos, também, para além das barreiras e preconceitos que, outrora, excluíram da plenitude da vida da Igreja os gentios, samaritanos, leprosos, gente ritualmente impura, mulheres, canhotos, minorias raciais e os suicidas. A rejeição dos homossexuais por parte da Igreja é apenas mais um preconceito que cita a autoridade da Bíblia, afirmam eles. Estes membros de nossa Comunhão se opõem a uma interpretação literal da Bíblia. Porém é necessário que se diga que ambas as partes valorizam altamente a Bíblia e nenhum lado recomendaria nem adoração da bíblia como um ídolo e nem que seja colocada de lado como irrelevante.

Todavia ambas as acusações têm sido feitas neste debate. O uso apropriado da Bíblia está, por conseguinte, em debate e isso se torna a terceira questão, sobre a qual esta Comunhão não pode chegar a um consenso. Todavia como decidimos esta questão influi, claramente, no como outras duas questões são decididas. Assim solicitamos esta questão seja, também, referida ao painel a ser designado.

Se a Conferência de Lambeth debater essas questões conflitantes e forçar o voto de um modo ou de outro, o resultado será amargura e, certamente, o relatório da minoria será divulgado por parte dos perdedores.

O nosso senso é que, com tempo, paciência e estudo, esta Igreja é capaz de chegar a um consenso nessas questões, de um modo ou de outro, embora não esteja no horizonte. Apenas solicitamos que a Conferência de Lambeth propicie a esta opção possibilidade, neste momento, proporcionando-lhe meios a serem criados e feitos disponíveis a esta Comunhão.

Enquanto este debate sobre estas três questões cruciais continua irresolúvel, cremos que podemos ainda progredir conduzindo o debate de modo que se revela o amor Deus para todo o povo de Deus. Apelamos aos Bispos da Comunhão Anglicana abaixar os decibéis da retórica hostil, procurar respeitar os outros, cujas opiniões honestas os colocam contra outros cristãos e tentar evitar as ofensas a qualquer parte do Corpo de Cristo. Apelamos aos bispos que acreditam que a homossexualidade é um mal tenham o tempo para se encontrar com gays e lésbicas cristãos que se sentem ser tratados, às vezes, como quem bate a porta da Igreja que os rejeita e ainda se considera ser o Corpo de Cristo e conhece-los melhor. Apelamos aos bispos que acreditam que os gays e as lésbicas devem receber a plena acolhida para plena vida da Igreja sem julgamento algum vão ao encontrar dos cristãos que acreditam que a homossexualidade é tão má que qualquer acomodação representaria violação do seu compromisso com Cristo e os conheçam melhor. É necessário que ambas as partes entrem no mundo do outro para entender o temor do outrem e compartilhar seus sofrimentos como agentes redentivos do Encarnado, que veio a nós muito antes que mereçamos esse dom gracioso.

É nossa esperança e oração que a Comunhão Anglicana através de exemplo de seus bispos possa ser modelo de um método de lidar com conflito, mesmo conflito dilacerador, isto é, tratar dignamente as pessoas com as quais discordamos, reconhecer como legítimos os pontos de vista competitivos e, aparentemente, irreconciliáveis que nos dividem e mantê-los em tensão dinâmica e nos comprometer a viver de modo orante para as soluções, confiantes de que o Deus a quem servimos nos guiará, oportunamente, à verdade de Deus.

Se a Conferência de Lambeth pode passar resoluções sobre aquelas três coisas, em torno das quais, acreditamos haver consenso substancial e referir para estudo futuro aquelas três questões sobre as quais não se encontra nenhum consenso, cremos que esta Igreja será bem servida.

Também esperamos que a Conferência de Lambeth vote simplesmente para receber este trabalho, sem julgamento, e recomenda-lo a todo o povo de nossa Comunhão para o estudo não como palavra final nem como palavra infalível, mas simplesmente como uma declaração sobre onde acreditamos que a Igreja se encontra atualmente. Oferecemo-lo na esperança de que seja útil à medida que esta Comunhão procura crescer em nossa vocação para sermos fiéis a Deus que nos chama para o serviço.

+Peter John Lee
Diocese do Cristo Rei – África do Sul

+John Shelby Spong
Diocese de Newark, USA

Tradução de +Sumio Takatsu

Observação do tradutor

O Relatório Oficial da Conferência de Lambeth de 1998 incorporou o espírito das afirmações do documento acima no que se refere ao consenso substancial e divergência conflitante sem a possibilidade uma conciliação no momento. O excerto abaixo nos mostra que a metodologia proposta para lidar com os conflitos aparentemente irreconciliáveis com integridade como um caminho anglicano está em ação.

Primeiramente, o relatório reconhece o dom da sexualidade. Também afirma a importância da compreensão do que é humana na relação com Deus em Cristo e uns com os outros. Também reconhece a importância do casamento e do celibato. Então, vem aqui a parte traduzida.

“Reconhecemos que há entre nós pessoas, cuja experiência de vida é de orientação homossexual. Muitos são membros da Igreja e procuram o cuidado pastoral, direção moral da Igreja e o poder transformador de Deus para viver suas vidas e ordenar seus relacionamentos. Desejamos assegurar-lhes que elas são amadas por Deus e que todas as pessoas batizadas, crentes e fiéis, independentemente de sua orientação sexual, são membros plenos do Corpo de Cristo. Conclamamos a Igreja e todos os seus membros a trabalhar para acabar com qualquer discriminação sob a base de orientação sexual e se opor à homofobia.”

“Claramente, algumas expressões de sexualidade são inerentemente contrário à vida cristã e pecaminosas. Tais expressões inaceitáveis de sexualidade incluem promiscuidade, prostituição, incesto, pornografia, pedofilia, conduta sexual predatória, sadomasochismo (heterossexual e homossexual), adultério, violência contra mulheres, e na família, estupro e circuncisão feminina. Duma perspectiva cristã, essas formas de expressões sexuais são pecaminosas em qualquer contexto. Estamos preocupados, em particular com as pressões sobre gente jovem para se engajar em atividade sexual em tenra idade. Apelamos às nossas Igrejas a ensinar a virtude da abstinência.”

No que se refere à homossexualidade em particular o Relatório diz ”confessamos que não temos uma mente comum e descreve as posições conflitantes como foram expostas no documento acima.”

No que se refere à união e bênção dos casais do mesmo sexo, o Relatório diz apenas que a maioria dos bispos não está preparado para tanto. E muitos acreditam que deve haver moratória sobre essa prática, isto é, suspensão temporária. E relata o espírito de Lambeth, um modo anglicano de lidar com questões conflitantes até “dilaceradores”.

“Temos orado, estudado e discutido essas questões e não somos capazes de alcançar uma mente comum sobre questões bíblicas, teológicas, históricas e científicas que são levantadas. Há muito que ainda não entendemos. Solicitamos aos Primazes e ao Conselho Consultivo Anglicano estabelecer meios de monitorar o trabalho feito na Comunhão sobre essas questões e compartilhar as afirmações e recursos entre nós.”

Houve resoluções que não ouviram o apelo do documento acima e do relatório que são praticamente se resumem.

“A Conferência não pode aconselhar (advise, pode ser recomendar) a legitimação e bênção das uniões entre o mesmo sexo e a ordenação dos que estão envolvidos em casamento entre o mesmo sexo”. Diga-se de passagem que a ordenação dos homossexuais celibatários não é problema, se o autor deste comentário não estiver enganado.”

Há, também, condenação do medo irracional dos homossexuais, isto é homofobia. É importante observar que as resoluções de Lambeth nunca tiveram a função de lei, desde o seu começo em 1867. Foi uma deliberação antes da convocação da primeira conferência, deliberação essa baseada em troca de muitas correspondências entre os bispos e sempre houve quem quisesse transformar Lambeth em Sínodo legislativo. O que pretendi mostrar como sempre afirmei que a teologia, eclesiologia e sabedoria anglicanas encontram-se mais nos relatórios do que nas resoluções. Uma vez que fiz a tradução do documento, tomei a liberdade de emitir minhas observações.

Tradução – Revmo. Dom Sumio Takatsu (Bispo Emérito de São Paulo)