Arcebispo Justin Welby prega no Seminário Teológico da Virgínia

O Arcebispo Justin Welby, no dia 13 de outubro, pregou na consagração da Capela Immanuel do Seminário Teológico da Virgínia, durante curta visita aos EUA. Em seu sermão, falou da necessidade de uma igreja unida.

Foi deste Seminário que vieram ao Brasil, na segunda metade do século XIX, os primeiros missionários da Igreja Episcopal e fundaram a missão que posteriormente se tornaria na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil.

A então Bispa Primaz da Igreja Episcopal, Bispa Katharine Jefferts Schori foi a celebrante na consagração. Mais tarde no mesmo dia, o Arcebispo Justin oficiou um culto especial vespertino com coral na capela.

Pela manhã, o arcebispo havia falado sobre violência religiosa e reconciliação, no Conselho de Relações Exteriores em Washington.

Leia o sermão do Arcebispo no Seminário Teológico da Virgínia

Leituras do dia: I Reis 8: 22-23, 27b-30, Salmo 84, I Pedro 2: 1-9, Mateus 7: 13-14, 24-25

Em 2010, para a Glória de Deus esta capela queimou, e foi reconstruída em 2015. Estou citando ligeiramente incorretamente, mas com o coração cheio, as letras de latão fixadas no chão, na parte de trás da catedral de Coventry: “Para a glória de Deus esta Catedral queimou, 14 de novembro de 1940 e foi reconstruída 25 de maio de 1962”.

Para a Glória de Deus esta capela queimou. É possível? Pode um evento como esse ser visto de algum modo como sendo para a glória de Deus?

Ora, sim, pois na morte e ressurreição somos levados de volta à presença do Deus Vivo que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos.

Prédios são coisas do poder, com exigências e instruções. No Reino Unido, há 15.000 edifícios de propriedade da Igreja da Inglaterra – 9.000 oficialmente listados como de importância histórica e, portanto, protegidos de uma forma ou de outra, e nos quais não se pode mexer sem a permissão de cada órgão do patrimônio que vocês puderem pensar, e vários que vocês nem imaginam [risos] – tais propriedades nem sempre são vistas por todo pároco como uma bênção. [risos]

Para aqueles de vocês que já leram os livros de A.A. Milne sobre Winnie the Pooh, eu não sei, eles chegaram a cruzar o Atlântico…? [risos] Eles cruzaram. Certa vez perguntei a Rowan Williams se ele já tinha lido Winnie the Pooh e ele olhou para mim um tanto secamente e disse: “Eu tenho crianças pequenas”.

E se vocês acham que citar Winnie the Pooh é descer das alturas do esplendor intelectual que o dia de hoje merece, eu posso citar a vocês as palavras de Rowan Williams, quando disse: “Não há praticamente nenhuma situação na terra, que não possa ser explicada pela ferramenta hermenêutica de Winnie the Pooh”.

Há uma história do ursinho Pooh onde ele busca navegar até um local seguro durante uma inundação, em um pote de mel. E se bem me lembro, a história diz que “às vezes Pooh estava no pote de mel e às vezes o pote de mel estava em Pooh”. Os edifícios podem ser assim. Às vezes, eles são servos da Igreja, e às vezes eles estão sobre ela, como seus tiranos.

Afinal, a Igreja é dinâmica em sua beleza e figura, ao passo que um edifício é estático. Então porque que somos tão viciados em edifícios, e o que há neste espaço surpreendente, lindo e maravilhoso, que captura o olhar, o coração e a imaginação? O que há neste espaço, neste edifício sobre um santo monte, que nos imprime uma sensação de exultação e beleza ao entrarmos?

Talvez seja principalmente porque a dinâmica daqueles, nas palavras do salmo, “cujos corações estão voltados para o caminho do peregrino”, não seja ordenada, mas tome forma no momento em que se reúnem no culto.

O Professor Dan Hardy escreveu que “santidade, sociabilidade e culto são – ou deveriam ser – noções e práticas extremamente ricas e profundas e, portanto, capazes de orientar uma vasta gama de formas de vida no mundo”. Então, quando entramos no ambiente restrito de um edifício, longe de estarmos aprumados e ordenados, descobrimo-nos reorientados e transformados, e nossa perspectiva sobre as diferentes formas de vida no mundo é transformada conosco.

A peregrinação é um processo desordenado, porque nós, peregrinos – todos nós – somos desordenados, muitas vezes caóticos. Citando o prólogo dos Contos de Canterbury, peregrinos “dos confins de cada condado da Inglaterra, a Canterbury se dirigem.…” Eles são uma coleção heterogênea de pessoas, e os Contos de Canterbury demonstram sua variedade e diversidade. Eles se encontram no caminho para um destino. Dos demais, não sabem quem são nem quais os seus antecedentes: é o objetivo e fim da viagem que os une.

Nesta capela de peregrinos, que aqui chegaram provenientes do mundo todo, reunimos toda a alegria e celebração que se possa imaginar – e, como somos incapazes de ver além do que está estampado na face uns dos outros, trazemos a este edifício nesta manhã, cada tristeza e preocupação existentes no coração humano, e todo pecado e fracasso que nos deixariam horrorizados se soubéssemos e se estivessem pintados nas paredes deste edifício.

Entre quaisquer mil pessoas, especialmente se sou uma delas, todos os Dez Mandamentos terão sido quebrados (isto não é uma confissão…) [risos]. Do mesmo modo, não apenas cada um dos Dez Mandamentos terá sido quebrado – por aqueles que estão sentados aqui hoje – mas também os frutos do Espírito Santo, em toda beleza desvelada nas nove manifestações descritas por Paulo, terão sido amplamente demonstrados.

Portanto, somos desordenados. Como um grupo heterogêneo, viemos a este prédio com nossas virtudes e vícios, sem saber o que anda nos corações e mentes de cada um, e às vezes mal sendo capazes de discernir nosso chamado. No entanto, estamos reunidos: juntos, descobrimos as profundezas de nosso pecado, juntos, reconhecemos que somos a causa da morte de Cristo na cruz, e também juntos vislumbramos as alturas do seu amor.

Deus vem ao nosso encontro como somos. Santidade não é pura e limpa, seguindo regras. É fogo e chama, que consome a escuridão e a sujeira. É beleza e medo, que nos faz cair de faces prostradas, horrorizados pelo nosso pecado e atraídos por sua luz radiante e calor curativo.

Mas a santidade nunca é alinhada. Nunca deixe que este lugar, o Sr. Deão, seja um lugar que pretende arrumar as pessoas. [risos] Como a igreja tem feito isso em sua história… e como não devemos fazer isso. Santidade nunca é alinhada; ela não pode ser encaixotada em um edifício.

É isto que Salomão anuncia em sua grande oração de dedicação e bênção: que, por maior que seja o edifício, a santidade de Deus não pode ser contida.

Moldar e orientar (nas palavras de Dan Hardy) não é o mesmo que alinhar ou conformar: mas implica mudança. O templo de Salomão era, entre outras coisas, onde o povo clamava por auxílio, e Salomão orava para que pudessem ser ouvidos. O primeiro livro de Reis era lido à luz do exílio; um período no qual Deus parecia surdo aos seus chamados. Edifícios em si nada prometem, mas em sua forma eles apontam para a fonte de socorro: Emanuel, Deus conosco.

Aqueles vem ao culto aqui devem esperar ser mudados, inclusive naquilo que buscam; descobrirão que ao começarem pedindo auxílio para si mesmos, serão conduzidos a pedir auxílio para a igreja – dividida, ameaçada, autodestrutiva, sem a ação de Deus.

Meu coração se parte quando penso em nossas divisões. O quanto elas ofendem a Cristo. Eu não estou falando de você – eu estou falando de mim mesmo, dos anglicanos, dos cristãos ao redor do mundo. Eu olho para o Bispo Suheil [Dawani], meu velho amigo, a quem eu amo e respeito, em um lugar de conflito e sofrimento… Ó Deus, nós precisamos de uma Igreja unida.

Deixe que este lugar oriente e molde aqueles que carregarão a tocha da unidade.

É claro que estou fazendo referência também às nossas divisões, nas quais estou pessoalmente, profundamente implicado. Vamos reconhecer, contemplar e chorar aqui, neste lugar santo, que não somos melhores do que Israel, que clamava por ajuda. Nós também nos afastamos de Deus e perdemos de vista a missão de Deus.

Para nós hoje, o edifício em sua totalidade, assim como sua santidade, nos remete não apenas a como seremos e precisamos ser mudados – nós – mas a como fomos transformados.

Pedro, escrevendo para uma igreja à beira de séculos de martírio e perseguição, num momento de belo contraste, diz: “Vocês, que antes não eram povo, agora são um povo”. A multidão peregrina foi transformada em tudo o que foi prometido primeira vez no Monte Sinai: a nação santa, o povo de Deus, um Reino de sacerdotes. Isto é, aqueles que fazem a ligação entre Deus e as pessoas. Aqueles que, tendo recebido misericórdia, são misericordiosos e cujo estilo de vida na relação uns aos outros é reflexo disto.

Cada um de nós, você e eu, todos nós – isto não é nenhuma condenação – deve tornar-se o que Deus fez. Malícia e difamação devem ser expulsos; eu sinto os seus golpes em minha própria vida. Devemos viver nossas vidas em resposta ao santo Jesus.

Mas que milagre foi esse, que levou aquela multidão heterogênea de discípulos a quem Pedro estava escrevendo, a tal transformação? Escravos e pessoas insignificantes, desprezadas pelo mundo – como foram transformadas e derrubaram um império sem desembainhar uma espada?

Na história humana, exceto através da Igreja (e tragicamente, espantosamente, muitas vezes dentro da igreja), grandes mudanças só ocorreram pela força; pelo fio da espada e pelo medo da morte.

Mas, para nós ela não é medo, mas uma rocha na qual podemos confiar; não a espada, mas a obediência à palavra de Deus, o próprio Jesus. Jesus, ao final do Sermão da Montanha, resume o imperativo de seu comando, se quisermos ser um povo transformado e santo que se posiciona contra o sofrimento e a perseguição, que sempre será o destino da Igreja neste mundo, e nosso, em nossas próprias vidas. Devemos construir nossa casa sobre a rocha. Não sobre nenhuma rocha de nossa própria escolha, mas a pedra em que Ele nos coloca, a rocha da obediência à Sua palavra.

Nós só resistiremos – este edifício será apenas o que deve ser – se formos construídos sobre Jesus. Não há meio-termo nessa mensagem. Sem isso este é um museu de antropologia social interessante. Com Jesus como seu foco e centro é um canal de entrada para o do reino de Deus.

Para que a Capela Immanuel possa fazer jus à beleza de sua arquitetura, deve ser um lugar não de conformidade e alinhamento, mas de transformação e conversão diárias, como teria São Bento.

É para ser um lugar onde o encontro com Deus transforma uma multidão de peregrinos viajantes no povo que encontra Deus em Cristo.

É para ser um lugar que aceita a nossa variedade heterogênea e desordem, porque é cheio de seres humanos que são todos pecadores; mas no qual aqueles que entram como pecadores encontram o perdão, e saem com um coração novo e esperança para transformar um mundo em que, de outra forma, a escuridão parece extinguir a luz, o medo envolve e sofrimento cheio de desespero abrange os mais fracos e os mais pobres.

É através de Jesus que isso acontece.

Voltando ao ursinho Pooh e seu pote de mel, como todas as boas histórias devem: este edifício está em cima de nós quando nós o servimos, e se torna um servo do povo de Deus, quando aponta para Jesus Cristo, e onde quando confrontados por aquele mistério e amor, nos prostramos em adoração, somos reorientados através da liturgia, somos cativados pela santidade de Deus e enviados para fazer a Sua vontade.

“Para a glória de Deus” que gerações futuras possam queimar-se com fogo nesta nova capela, assim como fizeram na passada – muitos de vocês aqui – para seguir as palavras de Jesus, escritas naquela capela e no arco oposto me aqui, e “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho”. Amém.

Publicado originalmente em 13/10/2015 no site do Arcebispo de Cantuária.