Comunhão dos Santos

Por +Sumio Takatsu

Primeiro, a localização da expressão Comunhão dos Santos no Credo. Ela se encontra na terceira cláusula (artigo), Creio no Espírito Santo. Por isso, ela não é uma cláusula independente. Ao contrário, a Comunhão dos Santos está na dependência do Espírito Santo e dele recebe não só o sentido, mas também a vida. O Espírito Santo atualiza a Palavra feita carne, Jesus Cristo, sua vida, morte e ressurreição, e a inauguração da Nova Criação, nova convivência, a comunhão com Deus e uns com outros.

Essa comunhão santa transcende a todas as barreiras humanas em torno de classificações como raça, nação, classe, conhecimento, cultura, sexo, em virtude da derrubada do muro de separação na morte e na ressurreição do Verbo feito carne e criou uma nova humanidade, (GI 3.27-29; Ef 2.14-22; 4.3-6; 1.17-23)

Essa Comunhão dos Santos é o povo reunido, convocado (ekklesia – assembleia) por Deus no poder do Espírito Santo como o Corpo de Cristo, Templo e comunhão do Espírito Santo não é limitada a um grupo de pessoas seletas, mas é destinada para todos, sem exceção, em todos os tempos. Essa totalidade abarca o todo das pessoas. Essa Comunhão é portadora e testemunha do todo do Evangelho (Jesus Cristo) para todos os povos. Em poucas palavras, esse é o sentido da catolicidade, em contraste com a posição dos gnósticos que diziam ser portadores do ensino essencial do Evangelho. Também, os gnósticos se apoiavam numa visão dualista do universo e da pessoa: material inferior e perdido e espiritual, superior e alvo da salvação. O conhecimento secreto, acreditavam, davam aos gnósticos o acesso ao caminho da libertação do material e alcançar o espiritual. Diga-se de passagem que essa questão é uma questão contemporânea quando os cristãos falam em material (carnal) versus espiritual e não levam a sério o todo da pessoa humana e a afirmação do credo de que um só e mesmo Deus é o Criador, Redentor e Santificador de todas as coisas. Essas afirmações do credo estão enraizadas na Bíblia e por ela inspiradas.

Diga-se de passagem que o ensino apostólico é aberto a todos e nada está reservada a uma elite é a indicação e, também, sinal de garantia da igualdade de todos da Igreja diante de Deus como foi dito no Seminário do CEA. No que diz respeito à tradição e espírito anglicanos está no Livro de Oração Comum. O comum se refere a todos da Igreja. O Livro de Oração Comum é a expressão de como os anglicanos leem, recebem e transmitem, compartilham a Palavra de Deus enquanto testemunho (e mediação) original, originador e indispensável e a Palavra viva hoje de modo que a Palavra, o Verbo feito carne, Jesus Cristo faça de sua Igreja sua habitação. Também, no Livro de Oração Comum está o ensino da Igreja, outrossim, enraizada nas Escrituras, sendo sumário suficiente dos temas centrais do ensino bíblico. Os Credos focalizam esse ensino, e focalizam quer dizer que o que está focalizado está dentro de um conjunto nem sempre destacados. (Metáfora das fotografias, foco e as periferias em penumbra onde não destaque, mas estão ai as coisas.) Mas as próprias orações, inclusive as intercessões, à luz das Escrituras, as Liturgias do Batismo, da Eucaristia, da Confirmação, do Matrimônio, do Funeral, dos Ordinais. Também como a Igreja se organiza e como o Ministério é vivido e exercido está aberto ao público, nada se esconde.

Esse Livro de Oração Comum representa a catolicidade reformada.

Comunhão Santa ou Comunhão dos Santos?

Até aqui o que se falou foi sobre a comunhão santa. Mas o Credo afirma a Comunhão dos Santos. Donde vem essa comunhão santa? Na tradição cristã tem havido duas leituras sobre o Sanctorum (Communio). O genitivo sanctorum é neutro ou masculino? O departamento da Fé e Ordem, do Conselho Mundial de Igrejas, traz um comentário relevante sobre essas duas leituras. A comunhão nas coisas ou dons santos seria o sentido se se tomar o genitivo como neutro. A comunhão das pessoas santas,[1] no sentido de 1 Coríntios 1.2 onde os santificados qualificam a Igreja de Deus em Corinto (cheia de problemas de ordem eclesial, ética, e teológica).

Sem a primeira leitura a comunhão dos santos pode se tornar simples fraternidade sem se colocar diante das Escrituras, sem articular a interpretação levando em consideração a tradição e razão,[2] sem celebrar as “coisas santas”. Por outro lado, sem a segunda leitura, a Comunhão dos Santos pode ser reduzida a articulação das “instituições” e “rituais” não se levando em consideração Deus se preocupa com as pessoas, com as comunidades e com este mundo.

É relevante, também, a localização da Comunhão dos Santos em relação à “remissão dos pecados” no Credo. Esse item foi colocado para contrastar o caminho da Igreja do caminho dos gnósticos. Para este o problema central da humanidade é a ignorância, portanto, a iluminação e não o perdão ou remissão dos pecados. Para alguns deles a salvação se atinge por meio da negação deste mundo. É claro que há mundos e mundos. É verdade que o Cristo do evangelista S. João nega o mundo, mas esse mundo é o mundo das pessoas, do relacionamento das pessoas organizado em torno da negação do amor de Deus vivido em Jesus. E não se trata de fuga ao mundo e negação da Criação como o dom de Deus.

A localização da Comunhão dos Santos antes da remissão dos pecados indica que a Comunhão dos Santos não é uma comunidade infalível. Ao contrário a comunidade e seus membros carecem de constante do perdão, a libertação da tirania de todos os tipos para uma comunhão cada vez mais fraterna, que espelhe a presença de Cristo no mundo. Pois a Igreja como a Comunhão dos Santos caminha na esperança da restauração de todas as coisas anunciadas nos itens seguintes.

Comunhão dos Santos

A universalidade da Comunhão dos Santos inclui os que já nos precederam. (Ver a Coleta de Todos os Santos.) Na diversidade das interpretações sobre o estado em que eles se encontram, há indícios de um ponto comum: os que já partiram vivem para Deus. Na Comunhão dos Santos, é natural e humano que se comemorem ou lembrem diante de Deus os que já partiram.

Que distingue a posição anglicana sobre a matéria? Michael Perham, em sua obra intitulada de Comunhão dos Santos, faz, primeiramente, uma longa citação da meditação de John Keble na Festa de Todos os Santos, que vale a pena reproduzir aqui.

…Temos a comunhão uns com os outros; comunhão não só com os que vivem hoje, mas aqueles que nos precederam e com os que se encontram ainda atrás de nós. Os mortos em Cristo vivem. Eles vivem para Deus. Eles pensam em nós. Eles oram por nós. Considerem quanto próximo devemos estar uns com os outros, quando se diz que os mortos são imperfeitos sem nós. Uma verdade em uníssono com o que lemos de Cristo. O Senhor precisa deles. A Igreja que é seu Corpo, a Sua plenitude que completa (enche) tudo em todos. Todos são imperfeitos até que Cristo retome. Até os melhores são imperfeitos até a Ressurreição. Esta é a verdade sobre os santos. As antigas liturgia preservam o penhor dessa doutrina. O mais elevado dos santos figuram entre eles (os imperfeitos). Cristo intercede por eles e por nós no Céu.[3]

John Keble foi um dos líderes do Movimento de Oxford, que introduziu o anglo-catolicismo. Distinguiu-se de seus colegas nessa matéria. Comentando sobre a matéria, Michael Perham aponta para a centralidade de Cristo como o Intercessor tanto dos que foram quanto dos que vivem aqui. É isso que distinguiu a doutrina anglicana da doutrina romana. O que está em jogo é a invocação atribuída como parte da adoração. A objeção anglicana é contra a invocação dos santos corno parte da devoção sistemática. Em poucas palavras, quando as orações são dirigidas aos santos, a mente dos adoradores são dirigidas aos santos, ao invés de Deus.[4]

Qual é a posição mais oficial? A Comissão estabelecida pelos Arcebispos de Cantuária e de York sobre a Doutrina da Igreja da Inglaterra faz as seguintes ponderações.

O único meio de chegar mais perto dos que partiram com fé em Cristo é aproximar-se de Deus e, por esse meio, ficar mais próximo deles.

É impossível dizer que os santos que partiram não podem ouvir as nossas orações, portanto, não devemos condenar como impossível dirigir-se a eles como prática privativa, contanto que seja para pedir a eles que orem por nós e pelos outros. Qualquer coisa que não seja isso parece ser perigoso e ilegítimo. Mas, também, impossível ter segurança bem fundada de que os santos nos ouve, de modo que a invocação direta deles pode ser ponderada inapropriada em culto oficial da Igreja.[5]

Uma coisa é crer numa só Comunhão dos Santos, que inclui tanto os que vivem aqui e os que nos precederam e lembrar diante de Deus todos eles com ação de graças e rogar que a luz perpétua da Ressurreição de Cristo os ilumine e que eles cresçam em amor e serviço.[6] Outra coisa é invocar os santos e pedir-lhes a intercessão. Mesmo nisto a Igreja mostra sua tolerância quanto a sua prática de devoção particular e pondera que não haja a invocação dos santos na liturgia. Também, a Conferência de Lambeth de 58 ao mostrar a direção para a revisão litúrgica das Igrejas da Comunhão Anglicana, constata que, pela pesquisa nas Igrejas, há um grande desejo de celebrar os santos e os heróis da fé. Porém esse desejo e atividade não resultaram na invocação dos santos no culto público ou em especulações injustificadas ou em doutrinas sobre o estado atual dos que partiram. Ao contrário, o desejo celebrar os santos tem brotado do desejo de agradecer a Deus pela vida deles como testemunhas.[7]

Novembro de 1997

Notas

[1] HANS GEORG LINK (Ed) One God, One Lord, One Spirit – Sobre a Explicação da Fé Apostólica para Hoje, 1987 (Paper Nº 139) pp. 108- 109. Karl Barth fala na importância da mutualidade dessas duas leituras. Church Dogmatics, IV.2 pp.642ss.

[2] A Conferência de Lambeth 88 fez um excelente comentário sobre a relação entre as Escrituras, Tradição e Razão, dando uma breve explicação do sentido de cada item. Ver Autoridade da Bíblia, conforme Lambeth 88, da tradução de +Sumio Takatsu, distribuído para o Seminário do CEA.

[3] P.70

[4] P.71

[5] pp.214-15

[6] Por exemplo, a Coleta da Festa de Todos os Santos, Pelos Falecidos

[7] 2.95